Um bate-papo com Räikkönen
Raikkonen abre o jogo e fala sobre fama de alcoólatra, cigarro e como os filhos mudaram sua vida
Em entrevista exclusiva ao Motorsport.com, campeão mundial de 2007 também comenta a relação com Ferrari e Ron Dennis
Kimi Raikkonen é um dos personagens mais carismáticos da Fórmula 1. Vencedor de 21 corridas na categoria máxima do automobilismo (relembre em galeria no fim desta matéria) e dono de uma personalidade única, o Homem de Gelo é marcado pela frieza singular e pelas declarações polêmicas e monossilábicas.
O campeão mundial de 2007 também é conhecido pela costumeira antipatia à imprensa, algo que o próprio finlandês admite, em plena entrevista exclusiva ao Motorsport.com. Na conversa, ele abre o jogo, comentando a fama de alcoólatra, fumante e carrancudo.
Raikkonen fala ainda de como os filhos mudaram sua vida, das passagens por WRC e NASCAR, da volta à Ferrari na F1, do relacionamento com Ron Dennis, antigo chefão da McLaren, e de sua autobiografia.
Motorsport.com: Kimi, você parece mais relaxado com a mídia ultimamente. Você quase dá a impressão de que gosta mais do que antes.
Raikkonen: Na verdade, não. Mas eu não tenho escolha. Esse é o problema. Eu não tenho muito a dizer. Mas faz parte do meu trabalho.
M: Sua visão de entrevistas como essa mudou?
R: Eu vejo mais ou menos como antes. Ainda são as mesmas pessoas que trabalham como jornalistas na F1 e fazem as mesmas perguntas. Isso não mudou muito ao longo dos anos, nem as histórias sobre as quais sou questionado. Os jornalistas escrevem essas histórias e perguntam a nossa opinião.
M: Você sempre diz que gosta de pilotar, mas não de relações públicas e de mídia. Você teve isso quando pilotou no Mundial de Rali (WRC)...
R: Certo. Especialmente no segundo ano. Eu estava muito feliz de várias maneiras.
M: Então por que você decidiu sair do rali e voltar para a F1? Você tinha o que queria.
R: Eu tentei um pouco a NASCAR. O que eu gostei foi da corrida. Rali não é corrida no sentido clássico. No rali você não tem um adversário direto, você pilota contra o cronômetro. Quando eu pilotei na NASCAR, percebi o quanto eu aprecio o duelo direto contra outros pilotos. Eu pensei comigo mesmo: ‘Talvez seja bom ter isso de novo com mais frequência’. Mas a F1 é a categoria máxima aos olhos da maioria dos pilotos, então eu queria saber se funcionaria de novo.
M: Mas você poderia ter pilotado na EuroNASCAR ou em outra categoria com menos cobertura da mídia se você estivesse interessado apenas em competir. Ou o desafio da F1 foi tão importante?
R: Sim. Eu gosto de correr na F1. Não importa o que você faça, sempre haverá algo positivo e algo negativo. Você não pode apenas ter o positivo, não importa em qual categoria. Em outros lugares não são as entrevistas, mas outras coisas que você não gosta. Isso provavelmente se aplica a todas as áreas da vida, há sempre algo positivo e algo negativo. É difícil encontrar algo perfeito que não tenha nada de errado. Vamos pegar as próximas férias, por exemplo: quando você estiver lá, pode ser lindo, mas também irritante.
M: Vamos falar sobre o seu livro. Você realmente leu?
R: Sim. Normalmente, eu não leio livros. É muito parecido com a escola para mim. Na escola eu tive que ler alguns livros, mas não acho que terminei de ler nenhum deles. Foi muito chato para mim. Não necessariamente por causa dos livros em si - a leitura parecia muito estúpida para mim. No dia da publicação houve um pequeno evento, e na noite anterior eu li. Eu sabia o que tinha porque tinha lido umas partes. Mas aquela foi a primeira vez que eu tive o livro inteiro na minha frente, do jeito que realmente é. Então eu li.
M: Houve também um tópico em que você discutiu com o autor, então você teria dito a ele: 'Não vamos publicar isso agora'. Ou isso não ocorreu?
R: Na verdade, não. Talvez uma coisinha, mas não realmente. Não era como se eu estivesse tentando esconder alguma coisa. Claro, há muitas histórias que poderiam ter sido escritas. Mas um livro como esse tem X páginas. Você não pode colocar tudo lá, vai ficar muito grosso. E eu nunca quis ter um livro de escândalos. Na verdade, não houve um tópico em que eu tenha dito: ‘Isso não pode entrar assim’. Eu fui muito aberto.
M: Tem um capítulo que eu achei muito divertido, o 'Sixteen Days'. Ele descreve como você estava bêbado sem parar entre Bahrain e Barcelona em 2013. Como você se lembra disso?
R: Eu não consegui lembrar. Metade das coisas as pessoas tinham que me dizer. Nós apenas passamos pela Europa e nos divertimos um pouco. Não foi a primeira vez. E foi normal para nós.
M: Acho que é isso que as pessoas amam em você: simplesmente não se engana! Alguém poderia ter dito: 'Não vamos colocar isso no livro'.
R: Mas não há nada de errado com essa história. No que ela é ruim? Não há nada de ruim nela. Isso foi bastante normal, e aconteceu muitas vezes. Não foi a única vez que fiz algo assim. Eu me diverti.
M: Você é casado agora e tem dois filhos. Acho que esse tipo de diversão mudou em sua vida.
R: Claro. Agora existem outras prioridades. Naquela época eu tinha o meu trabalho, mas por outro lado... Se eu quisesse voar para algum lugar, eu ia. Eu não tinha que perguntar a ninguém. Eu tinha idade suficiente para fazer o que eu queria. Quando você tem uma família, isso muda. Eu quero estar com meus filhos. Eu aproveito o tempo com a minha família. Às vezes ainda saio com minha esposa. Mas isso é algo completamente diferente. Nós todos envelhecemos, não é? E depois de 16 dias bêbado eu não me sinto tão bem como antes. Há outras coisas na vida que são importantes para mim hoje. Isso não significa que eu não possa mais sair. Claro que eu posso! Mas meu tempo com as crianças e com a família é mais importante para mim.
M: Mas você ainda faz das suas hoje em dia... Uma dessas noites foi provavelmente a FIA Gala 2018 em São Petersburgo. Devo dizer que foi a mais divertida festa da FIA em anos!
R: Olha, é tão chato! Melhor colocar uma graça.
M: Foi muito engraçado. E eu tenho que dizer que estou impressionado com como sua esposa levou. Se eu cambaleasse em um palco como aquele, minha namorada ficaria p***...
R: Sim, tudo tranquilo. Ela já passou por muita coisa comigo.
M: Você recebeu algum telefonema da FIA depois daquilo?
R: Nada. Nenhum. Por que deveria? A questão é: a FIA me convidou. Não é minha culpa (risos). Nada de ruim aconteceu.
M: Há uma lenda do paddock da época em que você bebia mais. Dizem que você fumava em reuniões da Lotus naquela época. Isso é verdade?
R: Eu não sei se isso acontecia em reuniões. Eu diria que não. Mas eu não tenho certeza - talvez sim. Fumei quando era mais jovem. Faz tempo agora.
M: Você parou completamente?
R: Nem me lembro da última vez que fumei. Acho que o livro também diz que eu fumei e depois parei. Voltando à pergunta: como eu disse, não tenho certeza. Mas acho que não fumei em reuniões, e sim no motorhome, no terraço, com meu chefe...
M: Ele não se importou?"
R: Isso nunca foi um problema. Pelo menos ele nunca disse nada para mim.
M: Há muita conversa sobre o estilo de vida de Lewis Hamilton. Você nunca sentiu que poderia melhorar seu desempenho se você parasse de beber e fumar?
R: Não, não realmente. Talvez até tenha me feito melhor viver do jeito que eu queria. Se você é do tipo que lê livros, você deveria ler livros. O que mais lhe convier. O mais importante é que você sabe por si mesmo o que é melhor para você. Se você é encorajado a fazer algo que qualquer outro piloto está fazendo bem, não vai funcionar. Você sabe o que é bom para você. Todo mundo tem seus próprios métodos. Não importa o que seja, tenho certeza que todos vivem suas vidas de forma um pouco diferente. Eu acho que, quanto mais você envelhece, melhor você se conhece e descobre o que é bom e o que não é. E tem que ser divertido. Se alguém lhe disser o tempo todo para fazer isso e aquilo, não fará bem a longo prazo.
M: Você diria que é um personagem mais equilibrado hoje do que era há dez anos?
R: Hmmm... De muitas maneiras, sim. Mas minha vida também mudou muito. Eu tenho uma família agora. Nada me estressa mais tão facilmente. Minha vida hoje é certamente mais completa do que antes. Há outras coisas agora, mais importantes.
M: Há algumas coisas que eu perdi no livro. Por exemplo, o retorno à Ferrari. Eles lhe pagaram muito dinheiro no final de 2009, então você não iria mais pilotar para a Ferrari. E então você voltou. Foi difícil entender de fora porque assumimos que os relacionamentos estavam quebrados. Como foi retornar à Ferrari e quem foi o primeiro a se aproximar de você?
R: Foi quando eu estava na Lotus. Eu nunca tive um problema com a Ferrari. Eu tinha um contrato em 2009, mas muitas coisas me deram nos nervos. Foi assim que terminamos. Eles queriam algo diferente na equipe. Encontramos uma solução - mas nunca tive um problema com ninguém da Ferrari. Já tivemos, admitidamente, discussões com uma ou duas pessoas lá. Mas eu nunca tive a sensação de que fui tratado injustamente. As pessoas escrevem algo o tempo todo. A verdade é que eu não me importava muito com todas as histórias do contrato naquela época. Eu só queria fazer outra coisa além da F1. Eu ainda tinha amigos na Ferrari e começamos a conversar em algum momento. Então, uma coisa veio depois da outra.
M: A outra coisa que eu perdi no livro é o seu relacionamento com Ron Dennis. Ele inventou o apelido de Homem de Gelo. Mas com o passar dos anos o relacionamento esfria, não é?
R: Eu não diria isso. Nosso relacionamento não acabou. Eu ainda falo com ele quando o vejo. Eu nunca tive um problema pessoal com ele. É verdade que discutimos sobre certas coisas. O que devo fazer, o que não devo fazer e assim por diante. Mas isso nunca afetou nosso relacionamento pessoal. Ele ficava com raiva às vezes e eu ficava com raiva às vezes.
M: Você conseguiu separar o profissional do pessoal.
R: Sim. Nunca houve um problema entre nós. Estávamos apenas discutindo sobre algo, e da próxima vez conversávamos normalmente de novo. Nunca se tornou pessoal. Certamente ele não concordou com a forma como vivi a minha vida. Mas eu também não gostei do fato de ele querer interferir. Mas não tenho problema em conversar com o Ron, há alguns anos nos conhecemos e conversamos um pouco, acho ele um cara legal. Mas nunca foi pessoal. Eu me diverti muito com a McLaren. Houve discussões de tempos em tempos que me deixaram com raiva. Mas isso é normal.
Fonte: motorsport.uol.com.br
Eu já havia lido esta entrevista em inglês e estava esperando a tradução para postar para vocês.
E só vou dizer uma coisa, concordo com tudo o que ele falou sobre a parte de ser você mesmo, não copiar os outros. Estava conversando com uma amiga sobre exatamente isto ontem.
Kimi curtiu a vida, como muitos de nós fazemos, isto é normal, as pessoas exageram na análise do que ele faz ou não faz. Hoje ele se encontra em outra fase da vida. Isto é a evolução natural das coisas.
E para quem ainda não leu, o livro dele é ótimo!
Beijinhos, Ludy
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